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ÁGUA, PAISAGEM ALTERADA
Maria Alice Milliet

Água, Paisagem Alterada

 

Em 2005, a obra de Patricia Furlong passou por forte transformação. Inesperadamente, uma profusão de formas e cores fez desaparecer a habitual contenção formal e a sobriedade de sua paleta. A mudança foi tão intensa que, à primeira vista, fica difícil relacionar essa nova fase à produção anterior da artista. Quem conhecia o quanto havia de conceitual em seus trabalhos, não poderia supor que ela iria se entregar à pintura de paisagens. Esse aparente retrocesso a tema e técnica tradicionais se explica. A análise de seu processo criativo e do quanto ele foi afetado por suas circunstâncias de vida revela que essas manifestações, aparentemente tão distintas, têm na relação com o meio ambiente um fundamento comum.
 
A mudança para a Granja Viana, bairro situado em Cotia, município vizinho à capital paulista, está na raiz dessa mutação. Em 2004, Patricia e o marido, com os filhos crescidos, resolveram sair de São Paulo. À procura de uma moradia para a família, ela encontrou uma casa antiga em meio a um grande jardim. Foi amor à primeira vista. Encantou-se com a enorme touceira de bambu e o regato invadido por lírios do brejo que escapando à ordenação dos canteiros emprestavam um toque selvagem ao lugar. 

Quando o jardim entrou em seu cotidiano, sua percepção do entorno e, por que não dizer, da vida, mudou. Livre das tensões da grande cidade, o convívio com natureza passou a ser determinante em sua criação. Seguindo a famosa máxima de sabedoria – Il faut cultiver notre jardin – com a qual Voltaire encerra a narrativa das peripécias de Candide , Patricia passou a cultivar seu jardim...

De início, movida pelo desejo de reconhecer cada aspecto da vegetação ao redor, foi levada a pintar ao ar livre – en plein air – como fizeram os paisagistas franceses no século XIX. Nessa etapa, a observação direta da natureza se traduz em uma pintura descritiva que desce ao desenho minucioso da folhagem. Diante dos quadros desse período, a artista comenta: meu objetivo não era, nem é ser paisagista; pratico a pintura de paisagem ciente da importância que teve nos primórdios da arte moderna; faço uma releitura de sua evolução mediante a incorporação de meios tecnológicos de captação e produção de imagens.
 
Na medida em que ganhava intimidade com o jardim, Patricia tornou-se cada vez mais sensível à plasticidade da luz, ou seja, aos efeitos que os contrastes de claro/escuro, as dominâncias cromáticas, os reflexos e as sombras produzem na paisagem. É quando sua pintura deixa de ser naturalista e começa a apresentar visões particulares da natureza. O que se vê nos seus quadros não são cópias da natureza e sim imagens midiatizadas. Partindo da fotografia e explorando as possibilidades da manipulação digital, Furlong constrói uma obra em que tradição e invenção, observação e imaginação se conjugam. Desse processo resultam backlights e telas de grandes formatos que primam pela ousadia cromática e pelas distorções formais próprias do espaço topológico.

Na produção mais recente, busca inspiração nos grafismos projetados pelas sombras da ramagem nos muros, no chão e sobre a água acumulada pela chuva. Vale notar que há certa analogia formal entre as escritas distorcidas que criou na década de 1990 e essas caligrafias virtuais geradas na natureza. No passado ou no presente, é o impacto do meio ambiente que estimula a pesquisa visual da artista. 

Maria Alice Milliet, março de 2016

Texto para a exposição no Centro Brasileiro Britânico (CBB)

2010 - presente
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